hermes

hermes apertou as tâmaras gorduchas. o sol mordia sua pele, subia o sangue enrubescendo as bochechas. pensava na silenciosa e adstringente lesma do tempo, e nas horas que poderia ficar ali mordendo aquela carne doce, esquecendo. apenas esquecendo. talvez porque soubesse que deixar-se estar era correr veloz. sabia a vertigem de permanecer e a falsa mudança de perder-se em cidades desconhecidas: a cada esquina via sempre a mesma esquina nova, a cada volta a novidade do retorno - aquele cahorro não estava ali antes. quede aquelas castanhas? gostava de olhar as feirantes manuseando, falando das vantagens do seu repolho com rigor e precisão. qualquer demora na oferta empobrecia a urgência que devia nascer na cabeça do freguês como um bonsai: grande e pequena. e viva, sobretudo. enquanto desempanhavam a retórica do livre mercado, hermes deixava-se verter pelos aromas e cores e timbres, como a superfície de um lago vê passarem os seixos na correnteza. o rádio ligado sobre um caixote dizia tragédias e os números da loto. a cabeçacoração de hermes sondava o alguém poder prever o futuro e ter esperança ao mesmo tempo. o coraçãocabeça calculava as chances de ganhar sem nunca ter jogado. e dava o mesmo número.

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