hermes

hermes apertou as tâmaras gorduchas. o sol mordia sua pele, subia o sangue enrubescendo as bochechas. pensava na silenciosa e adstringente lesma do tempo, e nas horas que poderia ficar ali mordendo aquela carne doce, esquecendo. apenas esquecendo. talvez porque soubesse que deixar-se estar era correr veloz. sabia a vertigem de permanecer e a falsa mudança de perder-se em cidades desconhecidas: a cada esquina via sempre a mesma esquina nova, a cada volta a novidade do retorno - aquele cahorro não estava ali antes. quede aquelas castanhas? gostava de olhar as feirantes manuseando, falando das vantagens do seu repolho com rigor e precisão. qualquer demora na oferta empobrecia a urgência que devia nascer na cabeça do freguês como um bonsai: grande e pequena. e viva, sobretudo. enquanto desempanhavam a retórica do livre mercado, hermes deixava-se verter pelos aromas e cores e timbres, como a superfície de um lago vê passarem os seixos na correnteza. o rádio ligado sobre um caixote dizia tragédias e os números da loto. a cabeçacoração de hermes sondava o alguém poder prever o futuro e ter esperança ao mesmo tempo. o coraçãocabeça calculava as chances de ganhar sem nunca ter jogado. e dava o mesmo número.

2 comentários:

Sarah Valle disse...

hermes, o jovem e o velho, o mensageiro e o ladrão,

F. Carolina disse...

Tanto movimento nesta prosa que a lesma do tempo correu...

Belo. Parece que repetirei isto muitas vezes por aqui.

Até breve.

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  • 07.09.2012 - 3 Comments
    a velhiceé a última etapada infância
  • 25.07.2012 - 2 Comments
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  • 20.06.2012 - 0 Comments
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